Toda A Mente É Danada (8)
A mente de Elder venceu a imobilidade de Vincent e o dedo deste premiu o gatilho. A película transparente transformou-se numa poalha de cristal que se espalhou pelo chão da sala e a bala atravessou os delicados circuitos neurotrónicos, destroçando as ligações cimentadas ao longo de anos de raciocínio intenso. Ouviu-se um grito de dor e a voz da máquina gritou o seu nome. Vincent caiu no chão mas Elder sentia-o livre, a actividade do seu cérebro recomeçara do nada anterior.
- Não precisava de ter sido assim... – a voz da máquina era fraca, mas ainda se notava o seu tom doce e calmo – Podíamos ter resolvido tu...do se... me deix...assem fa...lar... com ele. Agora... libertaram-no...
A voz extinguiu-se e os rastos de luz no complexo neurotrónico tornaram-se esparsos e fracos, caminhando rapidamente para a extinção. Vincent estava de joelhos a observar a cena e eu aproximei-me e ajudei-o a pôr de pé. Estava ofegante como se acabasse de fazer um esforço violento.
- De repente desapareceu tudo... Não foi como perder os sentidos, foi algo de mais radical e provocou um buraco na minha memória. Foi como se, por momentos, tivesse deixado de existir. – olhou para a máquina moribunda – Estão a tornar-se um hábito para mim, estes tiros no escuro, mas pelo menos agora acertei em quem devia, apesar de ter sido auxiliado.
- Sabias que no século XX os computadores eram construídos com um dispositivo que se chamava transistor? – Vincent olhou-me e sorriu. Eu insisti:
- E que não possuíam qualquer capacidade de raciocínio? – caminhámos lentamente lado a lado e saímos da sala. Um cheiro enjoativo de coisa queimada seguiu-nos quando atravessámos a porta.
- É escusado... Escapou completamente ao nosso controlo e divaga agora por onde só Deus sabe.
- Raios, Heigelt! Explique-me o que aconteceu para ver se percebo. Essas tiradas filosóficas não me dizem absolutamente nada! – o General Hastings estava apoplético. Heigelt respondeu-lhe com a calma de quem se sabe derrotado.
- General, nós só montámos um cenário que possuía fortes possibilidades de nos conduzir à revelação dos códigos, mas o cérebro de Doneghan (ou deverei chamar-lhe Pramitt?) tomou o freio nos dentes. Da primeira vez conseguimos controlar a singularidade e devolvê-lo à realidade induzida mas a segunda tentativa foi-lhe fatal, ou melhor, foi-nos fatal, porque ele deve estar bem. Já não está aqui nem voltará mais. O cérebro dele torneou sempre todas as dificuldades e obteve sempre explicações que consolidaram a sua ideia de que aquele mundo era o mundo real. Para ele éramos nós a ficção. – voltou-se para o nervoso general – No fim de contas, o que é a realidade?
Afastaram-se do corpo vazio estendido na mesa cirúrgica. As luzes apagaram-se e a sala ficou escura e fria. Na escuridão do silêncio só a respiração compassada do corpo inútil se ouvia.
Um truque barato! Foi com um efeito fácil de filme de terceira categoria que o JIM o tentara intrujar! Não chegara à posição que alcançara deixando-se enganar por truques baratos.
A visão de Phoebe fez com que tudo o resto fosse atirado para um beco escuro da memória.
- Elder!! – abraçou-o com força e beijou-o – Acabei de ver na televisão a notícia sobre a destruição do JIM, mas penso que será melhor não vos perguntar nada sobre o assunto. Era ele o assassino?
- Como sabes?
- Querido Elder, não sou propriamente estúpida! – fingiu indignação para logo o abraçar novamente – Tenho comida lá dentro para os dois. – disse alegre.
- Não sei se coma, não me sinto muito bem, deve ter sido aquele peixe sintético... – Phoebe e Vincent olharam para ele – Esqueçam, vamos para dentro comemorar.
Peixe sintético?, pensou. A mente era mesmo uma coisa estranha... De onde provinha aquela memória? Não se preocupou minimamente por não encontrar resposta.
E também nunca perguntaria ao JIM...
Na Universidade de South Fillmore o sol iluminava generosamente as fachadas venerandas dos edifícios, espalhando a calma dormente de um fim de tarde de Verão pelo mundo. O homem aproximou-se de um dos pequenos edifícios que serviam de habitação aos professores e tocou à campainha de uma das portas. A placa de metal dizia Prof. Alan Moldrow, Dep. de Neurotrónica e Matemática Multidimensional.
- Sim? – o homem que abriu a porta possuía uma barba rala já branca e uns óculos redondos de aros metálicos.
- Professor Alan Moldrow? – o homem da barba confirmou.
- Sou o seu novo assistente, Jim Kovak.
- Ah, estava à sua espera, entre por favor!
A casa era acolhedora e estava escrupulosamente arrumada, o professor não era um génio desorganizado.
- Foi uma pena o que aconteceu ao seu anterior assistente, era um jovem brilhante.
- Sim, foi uma pena... Ele que nem era dado às velocidades foi logo morrer num acidente de automóvel, e na altura em que eu estava a necessitar mais do auxílio dele, com este projecto do novo supercomputador. Digo-lhe mais, senhor Kovak, este vai ultrapassar em muito as capacidades do falecido JIM! Sente-se, por favor.
O homem tropeçou e quase caiu. Por vezes ainda se atrapalhava com o seu novo invólucro.
- Não duvido, Professor, não duvido. – disse JIM Kovak com um sorriso.
FIM